A construção desenfreada e sem supervisionamento técnico de pequenos açudes, também conhecidos como barragens, tem prejudicado o aporte hídrico de reservatórios estratégicos do Ceará.
Nos últimos 13 anos, houve um salto dessas edificações no estado. A Fundação Cearense de Meteorologia e Recursos Hídricos (Funceme) iniciou, em 2007, um estudo com nível de detalhamento inédito no Ceará que dispõe de localização georreferenciada destes espelhos d’água.
Naquele ano, o mapeamento apontou 5.100 barragens acima de cinco hectares. A maior concentração ocorria no entorno do Açude Castanhão e já despertava a atenção dos técnicos para impor maior rigor na concessão de outorga para novos empreendimentos. Em 2016, a quantidade passou para 28.195 e, neste ano, o número está na casa dos 60 mil. A mais recente atualização foi divulgada preliminarmente, nesta semana, pelo presidente da Funceme, Eduardo Sávio.
Busca pela água
O longo período de estiagem que se abateu sobre a maior parte do território cearense entre 2012 e 2018, fez com que produtores rurais buscassem fontes alternativas de abastecimento de água para irrigação e para garantir a sobrevivência de animais. As alternativas encontradas foram perfuração de poços, instalação de cisternas e construção de pequenos açudes, as barragens.
Esta última solução, no entanto, tornou-se um problema ao longo dos anos. Com a instalação destes pequenos reservatórios, construídos com recursos próprios ou por meio de financiamento de bancos oficiais, grotas, córregos e riachos que antes tinham seu curso voltado para importantes açudes do estado foram barrados, impedindo ou minimizando o aporte hídrico aos médios e grandes reservatórios.
O secretário Executivo da Secretaria de Recursos Hídricos (SRH), Aderilo Alcântara, reconhece que “quando se constrói dezenas de pequenos e médios reservatórios, há impacto para os grandes açudes, estratégicos no Ceará”. Ele, no entanto, lembra que “o problema não se limita aos micro-barramentos, feitos pelos agricultores, que asseguram água por cerca de oito meses para viabilizar a produção agropecuária”.
Alcântara destacou que muitos desse açudes são construídos com verbas “que prefeitos conseguem em Brasília” e, portanto, o assunto merece ser debatido para “que os prejuízos sejam reduzidos, de modo que os agricultores rurais também não fiquem desassistidos e tenham mecanismos para acesso a água”.
Impactos
São vários os exemplos do impacto da construção de milhares de pequenos açudes, conforme alerta Torres. O Trussu, responsável pelo abastecimento das cidades de Iguatu e Acopiara, no interior do Ceará, que juntas somam mais de 155 mil habitantes, atingiu seu pior volume da história no início deste ano, com apenas 1,3%.
Com as intensas chuvas que banharam a região, o açude se recuperou e atingiu a marca dos 23,47%. A recarga, porém, poderia ser melhor aponta Anatarino Torres, gerente do escritório regional da Companhia de Gestão de Recursos Hídricos (Cogerh), em Iguatu. Conforme levantamento realizado por ele, 15 barragens foram construídas no leito do Rio Trussu.
Aderilo Alcântara destaca, também, o Açude Banabuiú, terceiro maior do estado, que está com 12,1% de sua capacidade. Ele explica que, diante desses barramentos, o reservatório só conquista aporte se houver sangria dos açudes que foram construídos no curso natural da água. “Essa bacia é um retrato do impacto que traz outros barramentos”, frisou Alcântara.
O açude Orós, segundo maior do Ceará, é outro que vem sofrendo com o baixo volume mesmo diante das boas chuvas registradas em 2019 e neste ano.
“A recarga deste ano do Orós veio do Rio Cariús e de seus afluentes, no Cariri, porque do próprio Jaguaribe, o Orós recebe pouca quantidade de água”, explicou Torres, referindo-se aos 23 médios reservatórios e centenas de pequenos barramentos” que impedem o curso da água. “Tudo isso impede a chegada da água ao Orós, pois é preciso que todos sangrem primeiro”, observa Torres.
Autorização
Para construção de qualquer barragem, seja ela de pequeno ou médio porte, se faz necessário autorização dos órgãos competentes. Diante do aumento nas edificações, Aderilo conta que a SRH tem resistido em dar parecer favorável para a edificação de médios açudes nas bacias do Alto Jaguaribe e do Banabuiú, regiões que concentram hoje a maior quantidade de pequenas barragens.
A Agência Nacional de Águas (ANA) é a responsável por liberar outorga de direito de uso de recursos hídricos para barragens que sejam construídas em águas de domínio da União – interestaduais e transfronteiriças.
Apesar de reconhecerem os impactos, Alcântara e Torres pontuam a necessidade de existir soluções para que pequenos produtores sobrevivam nos períodos de estiagem.
O secretário titular da SRH, Francisco Teixeira, cita a implantação do projeto Malha D’Água, iniciativa do Governo do Estado, orçado em R$ 5,3 bilhões, como alternativa para abastecimento destes agricultores. O projeto prevê a instalação de 4.300 quilômetros de adutoras em 20 anos.
O presidente da Associação dos Municípios do Estado do Ceará (Aprece), Nilson Diniz, corrobora com a análise de Teixeira, mas alerta que as comunidades “não podem esperar décadas” e diz que há “uma demanda urgente dessas localidades rurais”.
(G1 CE)