Lançada no início do mês pelo Governo Federal, a Medida Provisória 936 – que permite a redução de jornada e de salários em até 70% e a suspensão temporária dos contratos de trabalho – já impacta 1,7 milhão de trabalhadores em todo o País. No Ceará, empresas de comércios, serviços, turismo e indústrias estão aderindo ao recurso como forma de preservar empregos e dar fôlego ao caixa das empresas.
Com a MP, o segmento de bares e restaurantes tem conseguido reduzir o número de demissões. Antes do anúncio, a previsão era de que os cortes afetassem três milhões de desempregados no País, segundo conta o presidente da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel) no Ceará, Rodolphe Trindade.
“Hoje, são cerca de um milhão (de demissões), sendo 43 mil no Ceará. Mas, se não fosse essa medida, seria muito mais”, afirma.
Trindade detalha que 96% das empresas do setor são micro ou estão no Simples Nacional, podendo, portanto, se beneficiar da medida. Ele lembra que, na crise iniciada em 2014, 25% dos desempregados migraram para o setor de alimentação fora de casa, “fazendo brigadeiro ou montando um food truck”. “Este é o primeiro setor de socorro para aquele que está passando por um momento difícil”.
O presidente da Abrasel-CE destaca a redução da perda salarial dos trabalhadores, uma vez que o Governo irá pagar benefício com a diferença, e elogia a flexibilidade da MP ao permitir que as empresas escolham suspender parcial ou totalmente o quadro de funcionários por até dois meses.
“Uma empresa que continua funcionando com o delivery, pode suspender apenas a parte da equipe que está ociosa e continuar pagando a que está trabalhando. Isso é uma garantia de emprego e já evita demissões e o fechamento de empresas, porque, no nosso setor, o mais pesado é a folha de pagamento”, aponta.
Rede hoteleira
A suspensão dos contratos de trabalho por dois meses tem sido também uma das principais saídas da maior parte dos empreendimentos da rede hoteleira local, segundo informa a vice-presidente da Associação Brasileira da Indústria de Hotéis (ABIH) no Ceará, Ivana Bezerra.
“A maioria achou por bem entrar com a medida provisória e ver no que vai dar (após os dois meses). Mesmo que o comércio seja liberado, nossa atividade ainda não vai voltar logo. Vamos rezar para termos fôlego e continuar sem demissões”, afirma.
Ainda assim, ela revela que alguns hotéis preferiram demitir profissionais com a justificativa de que, após os dois meses, ainda não poderiam retornar à normalidade. “Foi uma minoria, mas houve”.
Comércio
Já no comércio, segundo o presidente do Sindicato do Comércio Varejista e Lojista de Fortaleza (Sindilojas), Cid Alves, somente uma minoria das lojas estão aderindo à MP por considerarem a medida paliativa e não definitiva. “A gente esperava que pudéssemos voltar antes. As prorrogações do decreto que institui o isolamento social é que nos fez repensar. Quem aderiu, o fez de forma correta. Mas não está sendo utilizado de forma horizontalizada”, conta.
Maurício Filizola, presidente da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo no Ceará (Fecomércio-CE)avalia como benéfica a MP por ajudar as empresas e proteger e valorizar os colaboradores. “É uma das saídas que estão sendo utilizadas. Alguns estão dando férias coletivas, outros se valendo da MP, outros demitindo, para que o trabalhador possa receber o auxílio-desemprego e readmiti-lo depois. São vários mecanismos”, ressalta Filizola.
Nas fábricas, a Federação das Indústrias do Ceará (Fiec) não se manifestou sobre a adesão do setor, mas informações apuradas pela reportagem dão conta de que alguns segmentos, no Estado, já negociam redução dos salários e jornadas com empregados, aos moldes da medida.
Postos preservados
O titular da Superintendência Regional do Trabalho no Ceará, Fabio Zech, aponta a MP como uma estratégia acertada para preservar empregos durante a pandemia do novo coronavírus e também posteriormente. “As empresas que aderiram se comprometeram em não demitir aquele funcionário pelo período em que ela for beneficiada. Ou seja, ela não pode demitir por dois meses, caso tenha utilizado a suspensão dos contratos por 60 dias”, destaca.
Ele ainda esclarece que não haverá redução da remuneração por hora trabalhada, mas o inverso. “As pessoas vão ganhar mais e trabalhar menos. Sei que nesse período todo mundo quer trabalhar mais e ganhar mais, mas, com a redução de jornada e o auxílio, o trabalhador vai acabar ganhando mais por hora”, explica o superintendente. “Até agora, são 1,7 milhão de trabalhadores beneficiados (no País). A manchete poderia ser 1,7 milhão de desempregados, mas estamos preservando os empregos”, argumenta.
A presidente da Comissão de Direito do Trabalho da Ordem dos Advogados do Brasil no Ceará (OAB-CE), Adhara Camilo também avalia a MP como um bom mecanismo para evitar as demissões, mas faz algumas ponderações.
“Não é o mundo ideal, até mesmo porque a gente vê muitos direitos trabalhistas flexibilizados, mas estamos num período que não se tem muito o que fazer. Nós temos que realmente apertar, cada um do seu lado, para a gente passar da melhor forma possível”, avalia Adhara.
Ela destaca ainda a decisão da União de bancar parte da renda: “Foi importante o Governo tomar pra si o papel social e ajudar empregados e empregadores nesse momento. Porque, ao mesmo tempo que ele ajuda o empregador, que não está tendo a mesma demanda e não tem lucro suficiente para pagar seu empregado, ele está ajudando o trabalhador também. Por mais que não seja o valor total (do salário), ajuda pelo menos a manter o essencial a esse empregado”.
Agilidade nos acordos
No mesmo contexto, o supervisor técnico da Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), Reginaldo Aguiar, lamentou a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), que dispensou a exigência dos acordos da MP 936 terem aval dos sindicatos para as negociações serem efetivadas.
Os ministros julgaram uma ação que argumentava que redução salarial só poderia acontecer através de convenção coletiva. Para Aguiar, haverá mais lentidão no processo, o qual precisa de agilidade para socorrer os empregados e as empresas. “Imagina uma fábrica com 12 mil funcionários. Terão de ser lançados 12 mil acordos. Através do sindicato não”, ressalta.
(Diário do Nordeste)